domingo, 26 de maio de 2024

Morre dona Naná; estudante símbolo de Itaguaí




Itaguaí - Morreu neste sábado, Ignácia de Carvalho do Carmo, mais conhecida como dona Naná. Ela se tornou símbolo de garra e persistência em busca de seu sonho, que era se formar como professora. Aos 86 anos, a moradora de Itaguaí, estava prestes a se formar. O ano de 2024 prometia ser o ano da grandeconquista. No entanto, Deus quis Naná na escola do céu, para ser a mais nova professora formada a desembarcar no paraíso. 

Naná, foi destaque em todo o Brasil, por ser aluna mais velha do estado do Rio de Janeiro. Ela fazia o curso de formação de professores (normal) no Colégio Estadual Clodomiro Vasconcellos em Itaguaí. Filha de lavradores, só frequentou a escola durante um ano, na infância. O retorno para sala de aula se deu aos 82 anos, já viúva. Em busca desse sonho, ela não mediu esforços e não somente voltou aos estudos, como se tornou símbolo de perseverança para todo o país. 

 "A vida me disse muitos nãos. Muita coisa que eu queria realizar não consegui. Ter filhos foi uma delas. Mas realizei o sonho de voltar a estudar para ser professora" — dizia ela. 

O sonho não foi interrompido, já que Naná deu aula para um país inteiro, sendo este o ofício dos melhores professores. 

Vestir o uniforme — uma blusa branca, saia plissada e meias 3/4 — era um dos motivos de maior orgulho para a eterna dona Naná. Ela fazia questão de cuidar pessoalmente para que a roupa estivesse sempre em ordem, limpa e passada. É que quando entrou para a escola pela primeira vez aos 11 anos, ela não tinha vestimenta adequada, porque a família era muito pobre. Com vergonha e medo de ser chamada à atenção, nunca comparecia às quintas-feiras, dia em que a direção fazia a conferência do uniforme. E não podia estar faltando nenhuma peça.
— Não queria fazer feio né? Minha família não tinha condições (de comprar uniforme), então o jeito era faltar a aula às quintas. Eu usava um sapato com solado de cordas. Como iria me apresentar sem os sapatos? Dizia.

O dia que comprou o uniforme foi o de maior alegria para a estudante:
— Posso dizer que foi a maior alegria da minha vida o dia que vesti esse uniforme, minha consagração. Comprei logo dois para que eles fiquem sempre limpinhos. Não gosto de ver as meninas que não cuidam de seus uniformes. O meu está sempre lindo – falava, com orgulho a aluna que deixava a roupa preparada de véspera, para não fazer feio diante das colegas.

Dona Naná, como era carinhosamente chamada pelos colegas, fazia parte de turmas cujas idades variavam entre 14 a 19 anos. A vovozinha de cabelos grisalhos, saia abaixo do joelho, óculos de grau e um largo sorrido no rosto não demorou muito para conquistar todos e se transformar no xodó da escola.
— Ela é muito linda. Ela arruma o cabelinho todo para trás. Até nos dias frios ela vem toda arrumadinha, mesmo quando não dá para usar saia ela coloca calça do uniforme, sapatilha e vem impecável – chegou a elogiar a colega de turma Maria Eduarda Espinheira, de 15 anos em 2022.

Terceira filha de uma família de 11 irmãos, Ignácia foi a única que não prosseguiu nos estudos. Aos oito anos ganhou de presente do pai uma enxada e foi trabalhar no campo. Ela gostava de mexer com a terra, mas sonhava mesmo era estar em uma sala de aula, o que só aconteceu em 1948, aos 11 anos de idade. No entanto, a alegria durou muito pouco. No final do ano letivo, o pai achou que a menina seria mais útil ajudando na lavoura. Aos 17 anos, veio o casamento, que durou 51 anos e oito meses, até o falecimento do companheiro, há 18 anos, aos 76.
— Meu pai não incentivava os filhos a estudarem, queria que a gente trabalhasse. Mas era meu sonho estudar e desde pequena já dizia que queria ser professora. Não pensava em outra coisa — reclamou dona Naná que, ainda assim, teve uma irmã, dez anos mais nova, que chegou a concluir o curso universitário e se aposentou como assistente social.

Assim como pai, o marido dela também não incentivava o seu interesse pelos estudos. Depois de viúva voltou a comentar com a família sobre o desejo de voltar para sala de aula. Até que, aos 82, uma sobrinha chegou em casa dizendo que tinha matriculado a tia numa turma de jovens e adultos de uma escola municipal. Dona Naná contou que foi submetida a um teste ingressou no 4º ano. Nem mesmo a pandemia, que veio logo em seguida foi capaz de conter o seu entusiasmo.
— Durante esse período minha sobrinha ia à escola pegava as apostilas e eu estudava em casa — contou a aluna que voltou a frequentar sala de aula presencialmente no começo de 20222, já no curso Normal, em outra escola, onde também se matriculou com a ajuda da sobrinha.

Dona Naná falava que estava vivendo o melhor momento de sua vida.
— Só de vestir o uniforme já me sinto realizada— concluía ela. 


O velório e o enterro da professora Naná ainda não foi divulgado. 

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